Depressão, burnout e 30 anos: quando os sonhos morrem

Neste ano, eu trintei. Depois de muito me preocupar com esse número “tão grande”, o meu aniversário enfim chegou no dia 25 de julho de 2024.

Pouco mudou. Quer dizer, dos 29 para os 30 anos, diferenças notáveis ao olho nu são praticamente imperceptíveis. De resto, muito mudou.

Como cresci no começo dos anos 2000, eu tinha uma certa ideia de como seria chegar nessa idade – algo parecido com o filme De repente 30, em que a protagonista repete, como um mantra, que “30 é a idade do sucesso”. Você provavelmente conhece esse filme, não é mesmo?

de repente 30 ok
Uma das cenas icônicas deste filme que permeou a minha adolescência <3

Jenna, cansada da vida de pré-adolescente, faz um pedido no seu aniversário de 13 anos para pular para o período em que acreditava ser o "melhor dos melhores": 30 anos. Superficialmente, as expectativas que ela tinha sobre a vida adulta pareciam verdade. Entretanto, ao olhar com mais atenção para a própria vida pós-transformação, percebeu que não era bem assim.

30 anos nem sempre é a idade do sucesso, mas pode ser de muitas coisas.

Antes de chegar lá

De fato, as expectativas criadas há 20 anos pelo meu "eu" criança não eram apenas altas, mas fantásticas. Em outras palavras, só existiam na fantasia.

Depois de um século de guerras, crise econômicas e um pandemônio criado entorno da virada do milênio, esperava-se um mundo melhor. Progresso, tecnologia, abundância, sucesso. Esse sentimento, para mim, estava em todo lugar.

Em casa, na escola, na mídia. Matérias em revistas Capricho, seriados como Gilmore Girls e Friends e filmes como Kill Bill (brincadeira, esse não) Diabo Veste Prada construíram uma ideia de futuro de garotas descoladas que se tornariam ou se tornavam profissionais de sucesso, além de viverem momentos inesquecíveis um atrás do outro.

Será que o futuro seria como pintado em De Volta para o Futuro II, com suas tecnologias esdrúxulas? Ou seria algo mais parecido com o mundo pós-apolítico de Wall-E?

Na escola, eu me lembro de ouvir grandes coisas sobre o futuro – informação acessível para todos graças à internet, tecnologia que revolucionaria o cotidiano e estenderia nossas vidas, paz e cooperação entre as nações em um mundo sem fronteiras e blá, blá, blá.

Imagine a minha surpresa quando, ao completar 30 anos, não encontrei nada disso.

Ao longo da faculdade, costumava pensar que, com 25 anos, eu já teria uma casa, um emprego e um carro, uma vida semelhante à que os meus pais conquistaram na juventude. Afinal, era isso que eu havia sido ensinada a almejar.

Estabilidade.

Estabilidade.

Estabilidade.

Estabilidade.

Por isso, a cada ano mais próximo dos 30, a ansiedade, o medo e a vergonha cresciam. “Estou velha e não tenho nada isso. Sou um fracasso? Está tarde para mudar de área? Será que deveria ter escolhido outro caminho? O que eu fiz de errado?”. Junto desses questionamentos constantes, vieram a ansiedade, a depressão e o burnout.

Crise pré-30 anos

Quando você é preparado a vida inteira para uma certa realidade, a decepção e a frustração de saber que ela nunca, de fato, esteve perto da realidade são de difícil digestão.

O futuro brilhante de carros voadores, casas inteligentes, sucesso profissional, conhecimento abundante e um mundo sem fronteiras e animosidade se transformou em uma sentença de crise climática, possível terceira guerra mundial, reacionarismo e crise econômica.

Como lidar?

Eu só fui entender que as minhas preocupações com o estado do mundo e com a minha incapacidade de crescer na vida da maneira como planejado eram motivo de angústia pouco tempo antes dos 30 anos. Uns seis meses antes, para ser exata.

Desde o começo da pandemia de coronavírus, em 2020, eu vinha trabalhando home office incessantemente, levando uma rotina pouco saudável que contribuiu muito para o agravamento da minha ansiedade. “Eu sou jovem. Tenho que aproveitar para trabalhar MUITO agora para guardar dinheiro e ter algo no futuro”, era o que eu tinha enfiado na minha cabeça.

E, é claro, que o acúmulo de trabalho, aliado ao estresse e ansiedade da pandemia e, depois, da crise pré-30 anos, não poderia ter um resultado bom.

Não, não.

Foi aí que, em 2023, eu tive a confirmação que estava com burnout.

burnout ok

Um estado de exaustão mental e física, pessimismo e apatia e comportamentos mal-adaptativos que consome todo o seu ser e te transforma em uma amálgama de sintomas. Hoje, eu consigo perceber vividamente que o meu “eu”, naquela época, era a expressão da própria síndrome de burnout.

Abandonei os poucos hobbies – basicamente, ler e escrever - que consegui manter apesar da intensa rotina de trabalho. Me afastei das pessoas. Sentia como se estivesse sufocando nas obrigações que não geravam os resultados esperados.

Se eu continuasse daquele jeito, eu iria surtar de vez.

Então, eu fui para a Bahia!

Passei três ótimas semanas lá, mas a viagem por si só não curou o meu burnout, é claro. Essa história, no entanto, fica para ouro post dedicado exclusivamente para a minha experiência com essa síndrome que domina esta década de 20.

O burnout e a recuperação lenta do esgotamento intensificaram – só um pouco – a minha crise pré-30 anos. Eu me cobrava incessantemente por não conseguir ter ou ser as minhas expectativas. Me julgava inferior, preguiçosa, incapaz, não merecedora e mais um monte de coisas sem sentido.

Às vezes sem querer, às vezes durante uma pesquisa iniciada com um propósito, encontrava muitos millenials passando pela mesma crise, alimentando as mesmas preocupações. Não vou mentir. Saber que eu não estava sozinha me confortou, embora soubesse que todos nós estávamos surtando e precisávamos de ajuda para ontem.

Ainda assim, a cada mês mais perto do meu aniversário, eu pensava, “Vou fazer 30 anos!!!”, com certo desespero.

Quando eu cheguei lá

Eu já tinha me dado conta de que essa crise não era nada boa para mim, além de, muitas vezes, irracional. Analisando a minha trajetória de vida e o estado do mundo, fazia sentido que eu não havia conseguido riscar todos os objetivos da minha lista. A ansiedade, as cobranças e as dúvidas, porém, eram teimosas.

Até que chegou o grande dia e eu, finalmente, trintei.

E, após ter tido comemorações um tanto... atípicas (mais sobre isso no futuro), percebi, dia após dia, que pouco mudou. Eu ainda não tinha alcançado o patamar de conquistas, habilidades e vivências o qual eu havia, consciente e inconscientemente, definido para minha vida. E tudo bem.

Eu ainda estou aqui.

Ainda tenho saúde e vontades. Tenho muita coisa a fazer.

Ainda sinto, por vezes, como se tivesse perdido tempo com certas decisões e situações do passado, mas esse sentimento não faz o mundo parar de girar.

(O que é, afinal, perder tempo?)

Da mesma forma, sinto como se a humanidade caminhasse para um abismo e sei que não sou a única a temer a vida no fim do mundo. Não adianta vir com “a natureza sempre foi, as pessoas sempre foram assim, as guerras foram assim”. Há décadas, a ciência comprova o contrário – pelo menos, sobre a crise climática. Há décadas, a sociologia e a história alertam sobre o estado da humanidade hoje.

As pessoas apenas não querem ou não sabem como ouvir.

Entretanto, depois de ter percebido que fazer 30 anos não é grande coisa, eu também entendi que há muita coisa a ser feita para criar uma realidade diferente. Uma realidade não-fantasiosa, dominada pelos anseios e deslumbramentos de uma sociedade recém-apresentada aos primeiros avanços tecnológicos.

Depois que cheguei lá

Alguns dos meus gostos mudaram, mas muitos ainda continuam os mesmos.  

Passei quase uma década só ouvindo k-pop e agora estou voltando aos meus queridinhos de adolescência, como Marina and The Diamonds (agora, somente MARINA) ao mesmo tempo que, aos poucos, me abro para as novas gerações – obcecada por The Rise and Fall of a Midwest Princess da Chappel Roan.

Enfim, após um tempo considerável surtando por antecedência, percebi que muito do meu sofrimento tinha a ver com expectativas, crenças e normas sociais estabelecidas por terceiros – sociedade, pessoas bem-sucedidas, senso comum, cultura, amigos, familiares e mais.

Como me deixei levar por tudo isso por tanto tempo?

Muitos dos meus sonhos morreram. É verdade.

O processo de luto é dolorido, angustiante, como se nada mais fizesse sentido, como se eu não pudesse mais almejar o que eu almejava antes – escrever um livro, viajar para Ásia (sempre fui apaixonada pelo continente), viver de maneira simples e satisfatória – porque o mundo está indo para as cucuias.

Mas, como tudo na vida, o luto passa.

E, quando algo morre, deixa espaço para algo novo nascer.

É nessa fase que eu me encontro neste momento.

flor de lotus
A Flor de Lótus simboliza a capacidade de mudança e transformação, sobretudo, diante da adversidade.

Para ser sincera, eu nunca fui uma pessoa ambiciosa. Já me falaram que eu não sou apegada a coisas materiais porque eu nunca passei necessidade. Tenho uma vida confortável, mas não acho que isso tenha influenciado o meu desapego. Afinal, a gente não leva nada dessa vida.

Na verdade, quando comecei a refletir sobre os objetivos que eu não tinha alcançado, percebi que nem sequer queria tanta coisa assim. Sinto uma puxada quase magnética para uma vida tranquila, menos frenética, menos inquisitiva e mais... significativa.

Enquanto escrevo este post, o seguinte questionamento me vem à mente:

Será que a minha angústia não tinha mais a ver com o fato de eu achar que é praticamente impossível viver assim (de maneira tranquila e significativa) no dia de hoje do que por não ter riscado todas as metas da minha lista insana e irreal?

Sinceramente, não tenho certeza, mas fica uma reflexão para o passo seguinte: a construção de novos sonhos.

(mesmo com burnout, depressão, ansiedade climática, preocupações e tudo mais)

com amor,
Nah Souza
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